A fuga é outro dos mistérios inexplicáveis da clínica do Dr. Waite; a janela aberta, sessenta pés acima do solo, não explica nada, mas a verdade é que o rapaz desapareceu depois da conversa com o Dr. Willett.

Em todo este caso, de resto, o Dr. Willett é um mistério a acrescentar a tantos outros. Foi o último a avistar-se com o doente antes da fuga e saiu desta última conversa num estado que era de horror e ao mesmo tempo de alívio: facto que muitas testemunhas recordaram quando, três horas depois, se teve conhecimento da fuga de Ward.

Conhecedor de certos factos, chegou a conclusões que não se atrevia a revelar aos seus colegas mais cépticos.

Só o Dr. Willet, que tinha posto Charles Ward neste mundo, e que desde então nunca tinha deixado de observar o seu desenvolvimento físico e mental, só ele tremia quando pensava em tal fuga.

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Os especialistas, não prevendo a possibilidade de ele fugir, admitiam que muito em breve poderia ser restiuído à liberdade.

Até ao dia em que desapareceu, mostrou ser um leitor omnívoro e um conversador brilhante, tanto quanto a deficiência vocal lho consentia.

Era tal a sua lucidez e presença de espírito que foi dificílimo conseguir-se uma autorização legal para o internamento. E este só se fez graças aos testemunhos de muitas pessoas e à verificação de determinados lapsos nos seus conhecimentos, mais do que na inteligência propriamente dita.

Ward, efectivamente, sempre tinha sido um jovem estudioso e dado à arqueologia; mas os seus mais brilhantes trabalhos anteriores não denunciavam a prodigiosa percepção e a inteligência depois revelada pelo exame que os alienistas lhe fizeram.

O Dr. Willett, médico da família Ward, afirma que as faculdades mentais do doente, a julgar pelas suas reacções a tudo o que saísse da esfera da loucura, tinham subido de nível desde o começo da doença.

Também no plano psicológico Charles Ward era único. A sua loucura não tinha comparação com outras formas de loucura estudadas nos tratados mais recentes e exaustivos; era uma espécie de força mental que dele teria feito um génio ou um chefe, se não tivesse evoluído para formas estranhas e grotescas.

Todos os médicos estavam de acordo em que o organismo e o metabolismo de Ward tinham sofrido um retrocesso sem precedentes.

Tinha-lhe desaparecido da anca esquerda um enorme sinal de nascença em forma de azeitona, mas, ao mesmo tempo, aparecia-lhe no peito uma estranha nódoa preta que antes não existia.

Era mórbida a frieza e a secura da pele e a estrutura celular dos tecidos apresentava-se desorganizada e anormal.

Além disso, o seu organismo apresentava desarranjos sem paralelo em tudo quanto a medicina conhecia. Não havia simetria alguma entre as funções respiratória e cardíaca, a voz limitava-se a um murmúrio praticamente imperceptível, a digestão era prolongada e insatisfatória; as reacções dos nervos aos estímulos normais não tinham qualquer relação com os casos normais ou patológicos que a medicina até então descobrira.

É um facto que os distúrbios mentais tornam as suas vítimas mais velhas; mas as feições deste jovem tinham adquirido uma expressão subtil que só os muito idosos apresentam.

Primeiro que tudo, o paciente parecia estranhamento mais velho do que podiam fazer crer os seus vinte e seis anos de idade.

Esta apresentava ora uma tendência para o crime ora uma curiosa transformação do conteúdo mental. Os médicos confessaram-se desorientados com este caso, pois apresentava características estranhas tanto no aspecto fisiológico como psicológico.

Dava pelo nome de Charles Dexter Ward e tinha sido internado com muita relutância por um pai desgostoso que vira a aberração do filho evoluir da simples excentricidade até à mais negra demência.

De uma clínica para loucos, em Rhode Island, perto de Providence, desapareceu recentemente uma personagem singularíssima.